No dia 8 de maio de 1982, o automobilismo perdia a genialidade de Gilles Joseph Henri Villeneuve. A morte de um dos artistas mais formidáveis da Fórmula 1 transformou o canadense em um mito das pistas, e seu estilo passou a influenciar e ser referência para pilotos até os dias de hoje, a ponto de Ayrton Senna afirmar, certa vez, que suas inspirações eram o próprio Villeneuve e Niki Lauda – este último, sinônimo de eficiência e racionalidade. Além, claro, de ser extremamente veloz.
E entre os pilotos que disputavam a Fórmula 1 naquela época estava o hoje tricampeão da Copa Nextel Stock Car, Chico Serra, que atualmente compete pela equipe Hot Wheels Racing. O brasileiro, que era piloto da equipe Fittipaldi, relembra o hoje lendário talento do canadense. “Ele tinha um domínio muito grande sobre o carro, andava de lado, era talentosíssimo. Mas, além disso, Gilles exercia um grande papel de liderança entre os pilotos, já que ele era o vice-presidente da GPDA (Grand Prix Drivers Association, a associação dos pilotos da F1) e, apesar da estatura pequena, era um cara sempre valente. Ele tinha uma personalidade muito forte”, conta Serra.
A morte de Villeneuve aconteceu 27 anos atrás, justamente o número do Ferrari que o transformou em um mito das pistas. O canadense morreu após um acidente nos treinos classificatórios para o GP da Bélgica de 1982, no circuito de Zolder: o piloto, que vinha em sua volta rápida, bateu na traseira do March do alemão Jochen Mass. Com o impacto, o Ferrari número 27 voou, chocou-se contra o muro de proteção, partindo-se ao meio e arremessando o piloto, que só foi declarado morto no hospital.
“Todo mundo ficou abalado após aquilo tudo, mas os treinos continuaram logo depois, normalmente. Foi preciso uma certa frieza da parte de todos. Mesmo assim, a rotina não se alterou muito porque, para nós, que estávamos na pista, ele se encontrava em estado grave – mas vivo – sendo tratado no hospital. Depois, quando soubemos que ele tinha morrido, foi uma calamidade. O Gilles era uma referência, e isso causou impacto em todo mundo”, recorda.
Chico diz que, na época, a Fórmula 1 era muito mais perigosa. “O risco sempre existiu, faz parte deste esporte. Mas na época sentimos muito o baque da morte dele. Somos humanos, isso nos afeta também. Mas tivemos que continuar. É assim em qualquer trabalho, a vida continua mesmo que alguém fique pelo caminho. O automobilismo não é exceção. E essa corrida em Zolder me marcou muito não só pela perda do Gilles, mas também porque foi onde eu marquei o meu primeiro ponto na Fórmula 1. Foi importante para mim. Por isso aquele fim de semana foi muito carregado de emoções, boas e más”, lembrou o piloto, que terminou o GP em sexto lugar.
“O Villeneuve morreu cedo demais, só tinha 32 anos, uma esposa e dois filhos pequenos. Ele tinha uma pilotagem explosiva, era muito rápido, dava show na pista, e isso contribuiu muito na construção do mito que ele se tornou após a morte”, analisa. “Apesar de tudo isso, ele só venceu seis vezes – é bastante, mas é pouco se a gente colocar na balança o talento dele. Esse talento e a velocidade nem sempre se convertiam em eficiência em termos de resultados, daqueles que a gente vê na tabela de pontos no final do ano. Em 1979, por exemplo, o campeão foi o seu companheiro de equipe, Jody Scheckter”, recordou Serra. O título do sul-africano naquele ano iniciou um hiato de 21 anos na Ferrari, que só terminou com a conquista do Mundial por Michael Schumacher, em 2000.
“O irônico de tudo isso é que quem contribuiu para que esse jejum não fosse quebrado antes foi o seu próprio filho”, recorda o piloto da Hot Wheels Racing, lembrando da batalha entre o Jacques Villeneuve, então piloto da Williams – campeão das 500 Milhas de Indianápolis de 1995 – e o alemão da Ferrari em 1997. O título ficou com o jovem canadense da equipe inglesa. Fotos:Luca Bassani e Revista Grid.