Nesse domingo (19) em que o circuito de Imola, no Autódromo Enzo e Dino Ferrari viu diversas homenagens ao brasileiro Ayrton Senna, por conta dos 30 anos de sua morte, continuamos também nossas homenagens a ele e a tudo que fez e representou.
Ayrton Senna não só deixou uma legião incontável de fãs, mas também foi responsável por despertar o instinto de competição que existe dentro daqueles que desafiam o tempo a cada volta dada em uma pista pelo mundo.
O que vi hoje me transportou para os tempos em que o Senna corria e lembrei que algumas vezes eu mesmo fui injusto ao julgar algumas atitudes dentro e fora da pista. No entanto, o tempo é um grande mestre.
Espero que apreciem o texto: Um Ser Humano Chamado Ayrton Senna.
No dia primeiro de maio de 1994, assim como todo domingo de Fórmula Um, me sentava à frente da TV, ligava o rádio e com papel e caneta nas mãos anotava cada tópico da corrida para depois transcrever na máquina de datilografar, uma Olivetti Linea 47 de cor verde, pois na segunda teria que fazer o resumo da corrida no Programa do Alan Neto, um dos mais ouvidos no Rádio Cearense, que era transmitido das 18 às 19 horas na AM O Povo. Além do texto para o programa da rádio, guardava aqueles arquivos como algo precioso para futuras pesquisas junto com os recortes das matérias do Flávio Gomes na Folha de São Paulo, da coluna do Mario de Andrada e Silva, do JB; do Celso Itiberê, do O Globo; e do Reginaldo Leme, do Estado de São Paulo.
Não consegui ficar em casa diante daquela cena que assistira. Quando vi a posição de seus pés, e todo o cuidado da equipe médica em preservar seu corpo para que não fosse exposto aos milhões de telespectadores de todo o mundo saí de casa e fui à AM O Povo para acompanhar, em rede com a Bandeirantes FM, sob o comando do também saudoso Cândido Garcia.
No estúdio, ao lado do amigo Fábio Queiroz passamos horas angustiantes até a entrada do Cândido, direto do Hospital Maggiore, em Bolonha, na Itália, para ouvir o relato que não queríamos escutar na voz da médica Maria Tereza Fiandri informando que Ayrton Senna não estava mais entre nós.
Naquele instante começávamos a produzir juntos, eu e o Fábio, um especial sobre o Senna que seria exibido na segunda com a rica interpretação do jornalista Nonato Albuquerque.
Foi só quando datilografei a última lauda que começara a “cair a ficha”. Silente, saí da emissora, entrei no meu Fusca e, ao abrir a posta do elevador, antes de entrar no apartamento, meu vizinho Marco Furtado, aos prantos, me abraçara.
“E agora! E agora! Quem vai nos dar alegria? E agora Robério? Não podia ter acontecido, com ele não!”.
Lágrimas compartilhadas.
Não quero e não vou aqui tentar explicar o que levou á sua morte, no entanto, foi a partir de sua morte que a Fórmula Um parou para pensar mais na segurança. Não seria possível conviver com tanta perda em um só fim de semana, precisaram da vida de dois seres humanos para deflagrar o apelo por segurança.
O automobilismo tem seus riscos, não obstante, competir com eles minimizados é sempre a condição ideal para que tenhamos pilotos relatando sua própria história, ao contrário de ter de conhecê-las por outros interlocutores.
Naquele primeiro de maio morreu um trabalhador que era exemplo para qualquer um dada a sua entrega ao trabalho que abraçara.
Ayrton Senna sempre foi diferenciado e desde o Kart que mostrava ter o algo mais que os pilotos talentosos.
Uma vez na Fórmula Um foi o primeiro a encarar o automobilismo como um esporte onde mente e corpo precisam andar juntos, estabelecendo com o educador físico Nuno Cobra, a quem procurara após ter se assustando com tamanho esforço ao final de uma corrida na categoria máxima do automobilismo, uma parceria vencedora e basilar para a preparação de um atleta de alto nível.
Senna exigia muito, cobrava muito, principalmente de si, e talvez isto o tenha colocado em posição contrária a outros pilotos, mas afinal, em um universo tão competitivo quanto a Fórmula Um ele apenas buscou sobreviver e evitar ser pego de surpresa.
Johnny Cecotto, seu companheiro na Toleman, relata que não chegava perto do carro 19, e que o Senna não dividia muito a informação. Mas ele dividiria algo que soubesse em seu benefício?
Homo Sapiens. Ser Humano. E isso Senna sempre foi.
A mídia costuma alimentar contendas para ter o que noticiar e nos bastidores da Fórmula Um elas pululam como formigas em cima de açúcar.
Abusado, chato, isso, aquilo ou aquilo outro não importa. O Senna foi genial no que fez e sempre será lembrado por isso.
Lembro das palavras de uma das pessoas que conviveram com Ayrton Senna nos tempos do Kart. Altamiro Mauro de Oliveira, o Maurão. “Ele tinha um carinho especial com o equipamento. Andava mais voltas do que a gente pedia, estava sempre no horário, seguia todas as orientações. Foi crescendo e se acostumando que para chegar a algum lugar era preciso trabalhar duro”.
O ex-piloto e empresário cearense Fernando Macedo, que disputou com Ayrton a F Ford Britânica em 1981, relata que ele era sempre atento a tudo que se passava no Box. Procurava entender o que era feito pelos mecânicos e engenheiros da Van Diemen em seu fórmula número 42 para poder tirar o máximo proveito disso.
“O Senna encarava seu trabalho com seriedade, e esse, sem dúvida foi o componente para tanto sucesso. De nada adiantaria o seu talento, a sua genialidade, se ele não soubesse como colocá-la em seu favor”.
Um dos homens na Formula Um que melhor conheceu Ayrton Senna foi o Diretor Executivo da McLaren, Ron Dennis. No verão de 1987, Ron assinou o contrato de Ayrton na McLaren e os dois trabalharam juntos até o piloto deixar a equipe no final de 1993. Juntos eles conquistaram três campeonatos e trinta e cinco vitorias nos Grandes Prêmios que disputaram. Ayrton ganhou uma em cada três corridas que disputou pela McLaren, onde pilotou em 96 Grandes Prêmios. Ron Denis sabia extrair o máximo da capacidade de Senna, os dois se completavam como chefe de equipe e piloto quer quando tinham o melhor carro, quer quando tinham um carro mais fraco, mas que tocado da maneira correta seria capaz de dar resultados grandiosos como em Donington na temporada de 1993.
” Eu acho que ele foi muito bom durante todo o tempo em que esteve neste planeta. Eu não vejo nada positivo sobre o fato de ele ter sofrido um acidente e ter perdido a vida, mas isso significa que ele não viu seu declínio. Há muitos pilotos que ficam no esporte tempo demais e mancham sua grandiosidade. Ele será sempre lembrado porque era incrivelmente competitivo. Ele era ótimo, mas também era bom, tinha valores humanos. Ele teve alguns lapsos em sua vida, mas era um cara de princípios. Ele foi um bom ser humano”.
Certamente daqui a mais 20 anos muito ainda teremos o que falar deste herói nacional, que com seu gesto simples ao comemorar a vitória com a bandeira brasileira, carregava cada um dos que sonhavam como ele em ver o Brasil como um lugar melhor para se viver.
Ayrton Senna vive não só em nossos corações, em nossas lembranças, mas também vice e renasce a cada criança assistida pelo Instituto Ayrton Senna, que mantém vivo seu nome fazendo muitos brasileiros felizes, só que desta vez não só aos domingos.
Finalizo com as palavras de Frank Williams. “Ayrton não era uma pessoa comum. Na verdade ele era um grande homem, dentro e fora de seu carro”.
Robério Lessa é Jornalista e editor do site Carros e Corridas.
Formado pelo Curso de Comunicação da Universidade Federal do Ceará. Robério é um apaixonado pelo mundo automobilístico em geral e escreve sobre automobilismo desde 1992.
Fotos: F1.com-Sutton Images/McLaren/Robério Lessa.